sábado

QUEIMAR PAPÉIS


O talentoso escritor e jornalista Baptista-Bastos ficou célebre com a pergunta “Onde é que você estava no 25 de Abril?”, que formulou a vários entrevistados há 20 anos, no jornal “Público”. Suponho que terá sempre obtido respostas honestas e sinceras.
Agora quando toca a membros do governo deposto nessa data ou indivíduos ligados ao respectivo regime, é frequente haver relatos completamente irreais.
É o que sucede no interessante livro de Leonor Xavier, “Rui Patrício – a vida conta-se inteira”.
O antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros conta que, sabendo da revolução, deslocou-se ao seu gabinete. Queimou alguns papéis. Depois, juntou-se a Marcello Caetano, no Quartel do Carmo, quando os militares da GNR ali colocados ainda protegiam o Presidente do Conselho.
Quanto aos restantes ministros, declara ele que “ficaram em suas casas, tranquilamente”. É caso para dizer: “Fale por si, Oh Patrício! Como é que sabe por onde os outros andaram metidos?”.
Essa afirmação do antigo governante é completamente falsa. Aliás, como pessoa informada, ele com certeza sabe que os jornais noticiaram precisamente o oposto, como descreverei noutra oportunidade.


FUI TESTEMUNHA

Na mencionada obra, Rui Patrício conta outras inverdades.
Diz ele que, enquanto estudante, depôs como testemunha a favor do seu amigo Pedro Ramos de Almeida, julgado politicamente por ser comunista.
Mais tarde, concluído o curso em 1956, Patrício deparou-se com dificuldades em ser nomeado assistente da Faculdade, precisamente porque tivera aquele gesto para com o réu nesse processo judicial. Viu-se forçado a ir à PIDE falar com Silva Pais, para que o assunto fosse desbloqueado. Só em Janeiro de 1957, começou a leccionar.
Trata-se de invenção.
Fernando Eduardo da Silva Pais desempenhou, efectivamente, as funções de director da PIDE/DGS. Um dos seus melhores amigos era o meu Avô materno, que morreu em 1984, três anos depois daquele major se finar. Quando este assumiu o cargo na polícia, o pai de minha mãe manteve, naturalmente, a amizade. Contudo, não comungava da mesma ideologia e, muito menos, dos métodos empregues naquele organismo.
Nos momentos difíceis de Silva Pais, meu Avô sempre se solidarizou com ele.
Quando a filha do director da PIDE decidiu ficar a viver em Cuba e se tornou comunista, divorciando-se do marido, o meu familiar acompanhou o abalado progenitor, manifestando total apoio.
Já após o 25 de Abril, encontrando-se Silva Pais preso, o seu irmão Armando faleceu. O recluso compareceu no enterro, em Novembro de 1975, sob escolta policial. Pois no cemitério da Vila Chã, no Barreiro, meu Avô foi o único dos presentes a abraçar publicamente o militar caído em desgraça.
Vem isto a propósito de Rui Patrício asseverar que se deslocou à António Maria Cardoso, em 1956, conversando com Silva Pais.
Ora, a partir de 27 de Novembro de 1956, a PIDE passou a ser dirigida por Neves Graça, que sucedeu ao capitão Agostinho Lourenço.
Silva Pais chefiava a fiscalização da Intendência-Geral de Abastecimentos, equivalente à ASAE. Somente em 1962 transitou para a polícia política.