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PAGAR AO ADVOGADO


Há mais de duas décadas, apresentei o meu trabalho final do estágio de advocacia. O tema versava os honorários dos advogados.
A questão não evoluiu muito.
Surgiram umas tabelas de preços normalmente cobrados em cada comarca. Mas a realidade é só uma. Cada um leva aquilo que muito bem entender. Se quiser cobrar pouco, está à vontade. A legislação europeia não permite cá acordos para estabelecer uns limites mínimos. Isso seria um cartel totalmente inadmissível.
Depois, os advogados devem afixar os preços no escritório. Compreende-se. Antes de entrar no gabinete, o cliente tem o direito de saber quanto vai pagar.



TEMPO

De resto, as coisas mantêm-se mais ou menos na mesma.
Há vários critérios legais para calcular o montante que o jurista vai cobrar no fim do processo.
Um deles é o tempo despendido.
À primeira vista, isso parece razoável. Se o advogado perdeu muitas horas, deve receber mais. Caso tenha gasto pouco tempo, levará uma quantia inferior.
No entanto, o trabalho do causídico não é comparável ao de um operário indiferenciado.
Quanto muito, poderá estabelecer-se uma relação com um marceneiro.
O cliente encomenda uma cómoda. Se o profissional é capaz e experiente, despacha a obra rapidamente. Caso seja mais novato, demasiado cansado ou um pouco desajeitado, demora muito tempo. E o preço da cómoda? Deve variar? Claro que não. O que interessa é o valor que ela representa para o cliente. Se o marceneiro levou muito ou pouco tempo a executá-la, isso é lá problema dele.




DEFEITOS

Voltemos então ao trabalho de um causídico. Para isso, falemos de algo que sucede por vezes.
Um casal compra um apartamento a um construtor civil. Ao cabo de um ano, sentam-se os dois à mesa e começam a fazer uma lista dos defeitos que a casa tem. São três ou quatro rachas na parede. Há uma infiltração ou repasse. A lareira não fuma como deve ser. O vídeo porteiro deixou de funcionar. O tecto falso do hall empenou e deu de si. Há uma torneira que nunca trabalhou em condições. E por aí fora. O vendedor não assume a responsabilidade.
A vizinha do lado - professora solteirona - faz uma idêntica lista.
O casal contrata um jovem advogado. Ele estagiou num escritório onde se lidava muito com contratos de empreitada. Tem bons conhecimentos. Adquiriu uma rica experiência. Entretanto, mantém-se actualizado e está a par da nova legislação e dos livros mais recentes.
A tal professora recorre a um colega menos conhecedor da matéria. Raramente, tem lidado com casos do género. A sua longa carreira tem-se virado mais para os acidentes de viação. Mas é pessoa séria e empenhada. Aceita o caso, até porque a senhora já fora sua cliente anteriormente. Vai estudar a matéria a fundo. Se surgir alguma dúvida, irá debatê-la com colegas.
Ambos servirão bem os seus clientes. Haverá um elevado grau de satisfação.
Mas qual dos dois juristas vai gastar mais tempo? Obviamente, o segundo.
Agora porque carga de água deveria a professora suportar esse encargo extra? O advogado enriqueceu-se do ponto de vista profissional. Não significa que deva enriquecer à custa da cliente.
A lei diz que o advogado deve fixar os seus honorários de acordo com o tempo despendido. Para além de considerar outros factores.
Na realidade, penso que o número de horas gastas naquele caso concreto não interessa. Os advogados não devem trabalhar ao cronómetro, como se vê nos filmes.
Deve então ignorar-se a lei? Isso nunca. Os advogados devem considerar o tempo que geralmente se gasta em média a tratar de um caso daquele género. Independentemente do que efectivamente foi despendido.